- As atividades desenvolvidas por
empresas
privadas na área de Segurança podem ser consideradas como de segurança
pública? Somente o Estado poderia praticar tais atos?
-
Análise dos limites do termo segurança pública, sua relação com o
Estado, com a dicotomia público-privado e as pessoas, públicas ou
privadas, que a desenvolvem.
1 - Ser humano: animal social e político.
O
ser humano, ante sua natureza social, só se concebe vivendo em
sociedade. Viver em sociedade é, também, viver administrando conflitos
de interesses. Interesses estes, contraditórios entre si, a refletir a
natureza humana em seu leque de complexidade, de personalidades, de
interesses, ambições, ganâncias, egoísmos, solidariedade e compaixão.
Dentro
deste contexto, a vida em sociedade só se tornou possível graças à
capacidade política do ser humano de compor interesses contrários
mediante o diálogo e a negociação, de tal forma a compor regras sociais
de convivência, sejam regras éticas, morais, profissionais, religiosas,
associativas, e, principalmente as regras que o Estado elege como
essencial para a existência e defesa do próprio Estado e das
instituições democráticas que o institui. É esta capacidade política do
ser humano de superar obstáculos, de se aprimorar, se amoldar ás novas
necessidades e às novas realidades que além de permitir o convívio
social, ainda lhe permite a busca do bem comum e uma vida com qualidade
dentro de uma sociedade complexa como as atuais. Daí a afirmação
Aristotélica de que o ser humano é um animal social essencialmente
político.
2- A sociedade moderna requer novas formas de estudar a fenomenologia do convívio social.
A
natureza social do ser humano, desde os primórdios, o leva a se
organizar em grupos que, com o desenvolvimento das ciências, da
tecnologia, consequentemente das indústrias, das transações comerciais e
das especializações dos serviços, estes grupos se tornam cada vez mais
complexos, porém mantendo o fundamento primário de buscar segurança para
a sua sobrevivência, conforto e crescimento. Pré-requisito que, com o
desenvolvimento do Direito, levou a criação do Estado Moderno onde o
próprio Direito passou, paulatinamente, a ser supedâneo do poder., até
chegarmos ao Estado de Democrático de Direito.
Atualmente,
tendo em vista a complexidade da composição da nossa sociedade e das
atividades desenvolvidas no seu seio, incluindo a complexidade das
atividades criminosas e suas ramificação na sociedade atual,
verificou-se que o paradigma positivista de categorizar o conhecimento
não mais atendia as demandas científicas, sociais, inclusive na área da
segurança pública.
Conceitos
como multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e práticas
transdisciplinares, ações transversais passam a ter ênfase cada vez
maior, ante a constatação de que, cada área do conhecimento humano, per
si, não é capaz de satisfazer as demandas crescentes da sociedade
pós-moderna. As certezas da ciência iluminista dá lugar ás indagações
multidisciplinares nos moldes da complexidade de cada ser humano que
compõe a sociedade.
3- Segurança Pública: atividade multi e interdisciplinar que requer ações transversais.
Sob
o enfoque da nova percepção dos fenômenos sociais, há muito, a
segurança pública deixou de ser assunto apenas de polícia, tratada
apenas sob enfoque do código penal e código processual penal, por
autoridades policiais, Ministério Públicos e Magistratura.
O
gestor de segurança pública deve estar capacitado para interpretar os
fatos, bem como traçar planos estratégicos de ações de segurança
pautados sobre conhecimento multidisciplinar e se socorrendo de
profissionais das diversas áreas do conhecimento promovendo debates e
estudos interdisciplinares. Não há como elaborar uma política de
segurança pública ignorando a economia do país, a política, o relevo, a
história, a psicologia, a sociologia, a criminologia, a logística de
cada região, a química e a própria física.
Por
outra vertente, as ações de segurança pública devem ser transversais,
ou seja, requer participação ativa de todos os órgãos governamentais e
da sociedade civil. Um exemplo é o caso de Diadema, grande São Paulo. As
ações envolviam todas as secretarias de governo, a policia civil, a
polícia militar, a Guarda Municipal, o Conselho Tutelar, a Defesa Civil,
A fiscalização de posturas públicas, ONGs, o Ministério Público,
Legislativo municipal e a conscientização da população. Na verdade a
situação estava tão crítica que a população tinha vergonha de dizer que
morava em Diadema. As indústrias estavam saindo do município. Houve,
então uma união de todos, um planejamento ousado e ação conjunta. O
Sucesso foi comemorado em todo o mundo e a secretária de segurança do
município, senhora Regina Mike, foi premiada com o cargo de atual
Secretária Nacional de Segurança Pública no Ministério da Justiça em
Brasília.
4- Segurança pública não é sinônimo puro de atividade policial.
A
Segurança pública não pode ser visto pelo olhar simplista e
descompromissado como “ordem na rua”. Infelizmente nos debates
políticos, a mídia e as propostas dos “especialistas” em segurança, bem
como dos gestores dos órgãos policiais, vemos a segurança pública ser
tratada como uma questão de ordem nas ruas da cidade. Em São Paulo,
recentemente, a polícia se envolveu em uma operação de limpeza do
centro, em região chamada Cracolândia. O que se viu foi uma operação
desastrada destinada apenas para limpar as ruas do centro. O problema
não foi atacado, por isso não foi resolvido, apenas mudou de lugar,
restando agora, múltiplos lugares para serem “limpos”.
A
atuação policial nas ruas pré-supõe um apoio logístico aos policiais,
sejam policiais militares, civis ou Guardas Municipais. Estes agentes do
Estado tem que ter onde levar as pessoas que por ventura detenham ou
encaminhem.
A
atividade policial é importante pela autorização legal para o uso da
força necessária, do bastão, da algema e até da arma de fogo para que a
soberania do Estado seja respeitada. Todavia, nem toda ocorrência é
policial, portanto há que se ter um amparo logístico para a atividade
policial. Por exemplo, o policial se depara com um mendigo em trajes
sumários na rua. Este mendigo não está cometendo crime, mas deve ser
removido. Mas, para onde?
Neste
singelo exemplo, claro está a necessidade da transversalidade das ações
na esfera da segurança pública. É o governo e a sociedade irmanada para
que a segurança beneficie a todos.
5- Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas – Elementos essenciais do EstadoSegurança
pública, direito de todo cidadão, porém, responsabilidade de todos, é
uma dever do Estado brasileiro., segundo preceitua o artigo 144 da
Constituição Federal.
Insta observar que o artigo 144 está sob o manto do Título V da nossa Carta Magna, ou seja, DA DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS.
Assim
sendo, a Segurança Pública é uma função do Estado (poder-público)
visando a DEFESA DO PRÓPRIO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS,
porque se assim não fosse, não estaria sob o manto do referido Título
Constitucional.
O
Estado para existir e ser reconhecido como Estado deve apresentar seus
três elementos essenciais, ou seja: Território, Povo, e Soberania. Na
ausência de um só destes elementos, a existência desse Estado está em
xeque.
Realmente:
não existe Estado sem território, assim como não existe Estado sem seu
povo. Este povo, dentro do seu território tem que ter um governo
soberano, ou seja, com autonomia para criar ou modificar sua próprias
leis e impô-las sobre a população em seu território. Sem soberania não
há que se falar em Estado, basta recordar o que era o Brasil colonial.
O
Título V da nossa Constituição ao prescrever “Da Defesa do Estado e das
Instituições Democráticas” o faz prevendo exatamente da defesa de nosso
território, povo e soberania. Daí elencar, sob seu manto, as Forças
Armadas, A Polícia Federal, as Polícias Militares e Civis, incluindo no
parágrafo oitavo, as Guardas Municipais.
Assim
sendo, todas instituições acima têm a missão de zelar pela “Defesa do
Estado e das Instituições Democráticas, para isso, cada instituição
desenvolve uma função específica, que é a sua competência operacional e
que, para exercer sua função na sua esfera de competência, se apresenta
com a forma, treinamentos, equipamentos e ações pertinentes à sua
atividade legal. Assim, os integrantes das Forças Armadas se apresentam
pela forma que lhes é peculiar, bem como a Polícia Federal,Polícias e
Bombeiros Militares, Polícias Civis e Guardas Municipais.
O
Título V da nossa Carta agasalha três Capítulos, todos tendo em vista a
defesa do Estado e das instituições democráticas, a saber:
-Capítulo
I – Do estado de Sítio e do estado de defesa. Situações atípicas em que
o presidente da república, consultando o Conselho Nacional de
Segurança, toma as medidas cabíveis visando a defesa do Estado e das
Instituições democráticas, com adoção de medidas drásticas como toque de
recolher, passes para sair nas ruas, barricadas, etc.
-Capítulo
II – Das Forças Armadas. São as responsáveis pela defesa de nosso
território, povo e soberania a nível interno e, principalmente, contra
inimigos externos
-Capítulo
III – DA SEGURANÇA PÚBLICA. A segurança Pública, está, então, inserida
no título V, da defesa do Estado e das Instituições Democráticas. Ora,
estando a Polícia Federal, as Polícias Estaduais e as Guardas Municipais
inseridas no Capítulo terceiro do título V, temos que a missão destas
instituições é a DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS, sendo
suas funções atuar na SEGURANÇA PÚBLICA, fiscalizando e impondo o
exercício da soberania do Estado, ou seja, fiscalizando e impondo o
cumprimento da lei, lembrando que a soberania do Estado consiste
exatamente no Poder que o Estado tem de criar ou modificar suas leis,
impondo-as sobre a população em seu território.
6 – Agentes do Estado – missão e função.
O
Estado é uma ficção jurídica, ou seja, é uma pessoa jurídica, portanto,
entidade abstrata. Como entidade abstrata, ela se socorre da ação
humana de pessoas que se predispões colocar suas ações humanas a serviço
do Estado. São os Agentes do Estado.
Agentes
do Estado: pessoas que colocam suas ações humanas a serviço do Estado,
atuando como se fosse o próprio Estado em ação. Um Agente do estado só é
agente do Estado na exata medida que atua fiscalizando, orientando e
impondo a vontade do estado, ou seja, a lei! O Estado só necessita da
ação humana de seus agentes para impor a sua soberania no caso concreto.
Daí a máxima: Funcionário Público só pode fazer o que a Lei determina.
Vemos
assim, que a polícia federal é um agente do Estado na esfera federal,
para orientar, fiscalizar e impor a soberania do Estado. As Polícias
Estaduais são agentes do estado brasileiro na esfera estadual para atuar
impondo a soberania do Estado nos casos concretos. O mesmo ocorre com
as Guardas Municipais, são agentes do estado Brasileiro atuando na
esfera municipal. Lembrando que as Guardas Municipais estão inseridas na
Capítulo Segurança Pública sob o manto do título: Da defesa do estado e
das instituições democráticas, lembrando, ainda, que defender o Estado é
defender seu território, seu povo e sua soberania; Entendendo Soberania
como o poder do estado de criar, fiscalizar, orientar e impor suas
leis. Esta é a missão das Guardas Municipais, Policias Estaduais e
Polícia Federal.
Como
vimos anteriormente, o Estado é uma consequência natural da natureza
humana em viver em sociedade, formando grupos, tribos, clãs, vilas,
países, etc.
Um
dos principais motivos desta vida coletiva é a busca por segurança.
Segurança pessoal, familiar, do grupo, da nação. Segurança esta que
abrange a questão alimentar(caça, pesca), segurança física e
familiar(garantir a incolumidade física), segurança territorial,
patrimonial (guerras diversas).
7- A importância da atividade privada na segurança pública: quebra da dicotomia público-privado.
A existência do Estado Moderno se fundamente em três pilares: Segurança, Educação e Saúde.
Apenas
lembramos que a saúde, embora obrigação basilar do Estado, pode ser, e
é, privatizada, é o caso dos planos de saúde. O Mesmo ocorre coma
educação, onde o ensino privado se destaca. Todavia, a Segurança Pública
é uma atividade exclusiva do Estado, Não há como ter um plano de
Segurança ou Segurança Pública Particular, ou seja um Delegado
Particular, Um Juiz ou Promotor particular nem um policial particular.
Trata de uma atividade essencialmente estatal.
Dentro
do contexto do artigo 144 da Constituição, onde é determinado
afirmativamente: “Segurança Pública é responsabilidade de todos”, na
verdade é uma conclamação para que todos desempenhem algum papel em
benefício da segurança pública. É um chamado para a quebra da dicotomia
Público-Privado em benefício do público e do privado!
De
fato: sendo a segurança pública responsabilidade de todos, exercida
para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, não há como negar que muitas empresas da iniciativa privada,
embora indiretamente, cumpram esse papel fundamental para a segurança e
consequente qualidade de vida do cidadão. Embora nunca se deva esquecer
que é um “dever do Estado”, ou seja, do Estado-Poder Público e não dos
estados membros como querem fazer crer alguns.
Uma
empresa privada de segurança, ao oferecer emprego, plano de saúde,
treinamento na área de segurança, assim como uma empresa da construção
civil, ao proporcionar treinamentos de segurança, proporcionar emprego,
acesso á saúde e educação, formal ou profissional, está sim
desenvolvendo atividades fundamentais na área de segurança pública, pois
em suas ações incidem decisivamente na esfera preventiva, que é a
essência da segurança, ou seja; segurança pública é o não acontecer. Se
aconteceu é porque a segurança falhou, agora o remédio é buscar a
punição para quem errou, mas punir não é restituir a situação anterior
ao delito. O que foi feito, na maioria das vezes, deixará cicatriz
eterna. Ninguém deseja ver um ente querida assassinado só para ver o
homicida na prisão.
Vemos
assim, que as empresas privadas, ao oferecer emprego, planos de saúde,
acesso á educação, seja formal ou profissionalizante, ao dar uma
atividade lícita par o cidadão desenvolver, está atuando preventivamente
na esfera da segurança pública.
Por
outro vértice, há as empresas de segurança privada, seja bancária, seja
de condomínios, seja de acompanhamento de cargas nas estradas, ou até
mesmos os seguranças patrimoniais, são agentes privados que
indiretamente colaboram na segurança do cidadão na sua esfera de
atuação, pois tem o condão de inibir a criminalidade e a violência com
sua presença ostensiva.
O
ideal seria que, ao elaborar um plano municipal de segurança, se
incluísse tais profissionais na grade de aproveitamento e até de
treinamento conjunto, podendo tê-los como observadores, olheiros, postos
avançados de observação de anormalidades colaborando diretamente com a
Polícia Civil, a Polícia Militar e a Guarda Municipal. Aliás, a Defesa
Civil em muitos municípios faz bem esse tipo de parceria, por exemplo,
catalogando as empresas do município que possui maquinário pesado. Em
uma emergência sabe onde pedir auxílio. O mesmo poderia ser desenvolvido
com os profissionais de segurança privada, logicamente que levando em
consideração as limitações legais e operacionais dos mesmos. Observemos
que a Polícia Federal, por força legal, possui um cadastro e sistema de
fiscalização das empresas que ministram cursos e das que atuam na área
de segurança privada, principalmente aquelas que utilizam armamento na
área bancária, transportes de valores, no serviço público, e outros.
8 – Atividades suplementares em Segurança pública:
Embora,
deixando claro: ser responsabilidade exclusiva do Estado a tutela do
interesse público, as atividades repressivas e aplicação da jurisdição
civil e penal, merece destaque a atuação de outros órgãos que atuam
decisivamente para a qualidade de vida do cidadão no âmbito da Segurança
Pública.
Já
destacamos a importância das atividades privadas nas ações preventivas
de segurança, incluindo as ações indiretas que resultam em segurança do
cidadão exercido por empresas de segurança privada, quer na área
bancária, no transporte de valores, na escolta de cargas, no serviço
público, nos condomínios, etc.
Há
outras atividades e órgãos que também merecem destaque, tais como o
Ministério Público, o Poder judiciário, Procuradorias Estaduais,
Advocacia Geral da União, Tribunais de Contas, órgãos policiais
penitenciários, de inteligência e corregedorias, os Conselhos Tutelares,
ONGs diversas, principalmente as que atuam na prevenção e recuperação
de usuários de drogas, a ABIN- Agência Brasileira de Informações, dentre
outros.
9- Conclusão:
O
Ser humano, animal social por isso, político, consegue viver em
sociedade pela capacidade de compor conflitos de interesses
estabelecendo normas de convivência.
Ante
sua natureza social, a convivência em grupos, desenvolvimento das
sociedades e do direito levou á concepção do Estado e seu
aperfeiçoamento para o Estado Moderno.
Os
três pilares que justificam a existência do Estado, são a saúde,
educação e segurança. Sendo a Segurança uma atividade essencialmente
estatal, não pode ser privatizada.
As
atividades de segurança pública consistem em atividades preventivas e
repressivas. As atividades repressivas devem ser exclusivas do Estado,
até porque o Estado clama para si a exclusividade na persecução e
execução penal, bem como na aplicação da lei civil. É o Estado
desempenhando seu papel exclusivo de tutelar o interesse público.
Todavia,
as atividades desenvolvidas por empresas privadas podem e devem ser
consideradas como de segurança pública, notadamente na área da
prevenção, na exata medida que, mesmo indiretamente, no caso de empresas
de segurança privada, ao proporcionar segurança aos cidadãos; ou
diretamente, todas empresas, ao oferecer emprego, acesso á educação
formal ou profissional, oferecer acesso á saúde, que além de
influenciar na autoestima, prestigia o senso de dignidade do cidadão.
Segurança
Pública: dever do Estado, e ao mesmo tempo: responsabilidade de todos. A
Constituição abre as portas para a quebra de paradigma da dicotomia de
público-privado, na exata medida em que o público e privado se interagem
em benefício do público e do privado, ou seja não só do público e não
só do privado. Ao Estado se reserva o poder/dever de tutelar o bem estar
da população em seu território.
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