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segunda-feira, 2 de julho de 2012

O ESTADO E A SEGURANÇA PÚBLICA


  

PROBLEMATIZAÇÃO:
- As atividades desenvolvidas por
empresas privadas na área de Segurança podem ser consideradas como de segurança pública? Somente o Estado poderia praticar tais atos?
- Análise dos limites do termo segurança pública, sua relação com o Estado, com a dicotomia público-privado e as pessoas, públicas ou privadas, que a desenvolvem.

1 - Ser humano: animal social e político.
O ser humano, ante sua natureza social, só se concebe vivendo em sociedade. Viver em sociedade é, também, viver administrando conflitos de interesses. Interesses estes, contraditórios entre si, a refletir a natureza humana em seu leque de complexidade, de personalidades, de interesses, ambições, ganâncias, egoísmos, solidariedade e compaixão.
Dentro deste contexto, a vida em sociedade só se tornou possível graças à capacidade política do ser humano de compor interesses contrários mediante o diálogo e a negociação, de tal forma a compor regras sociais de convivência, sejam regras éticas, morais, profissionais, religiosas, associativas, e, principalmente as regras que o Estado elege como essencial para a existência e defesa do próprio Estado e das instituições democráticas que o institui. É esta capacidade política do ser humano de superar obstáculos, de se aprimorar, se amoldar ás novas necessidades e às novas realidades que além de permitir o convívio social, ainda lhe permite a busca do bem comum e uma vida com qualidade dentro de uma sociedade complexa como as atuais. Daí a afirmação Aristotélica de que o ser humano é um animal social essencialmente político.
2- A sociedade moderna requer novas formas de estudar a fenomenologia do convívio social.
A natureza social do ser humano, desde os primórdios, o leva a se organizar em grupos que, com o desenvolvimento das ciências, da tecnologia, consequentemente das indústrias, das transações comerciais e das especializações dos serviços, estes grupos se tornam cada vez mais complexos, porém mantendo o fundamento primário de buscar segurança para a sua sobrevivência, conforto e crescimento. Pré-requisito que, com o desenvolvimento do Direito, levou a criação do Estado Moderno onde o próprio Direito passou, paulatinamente, a ser supedâneo do poder., até chegarmos ao Estado de Democrático de Direito.
Atualmente, tendo em vista a complexidade da composição da nossa sociedade e das atividades desenvolvidas no seu seio, incluindo a complexidade das atividades criminosas e suas ramificação na sociedade atual, verificou-se que o paradigma positivista de categorizar o conhecimento não mais atendia as demandas científicas, sociais, inclusive na área da segurança pública.
Conceitos como multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e práticas transdisciplinares, ações transversais passam a ter ênfase cada vez maior, ante a constatação de que, cada área do conhecimento humano, per si, não é capaz de satisfazer as demandas crescentes da sociedade pós-moderna. As certezas da ciência iluminista dá lugar ás indagações multidisciplinares nos moldes da complexidade de cada ser humano que compõe a sociedade.
3- Segurança Pública: atividade multi e interdisciplinar que requer ações transversais.
Sob o enfoque da nova percepção dos fenômenos sociais, há muito, a segurança pública deixou de ser assunto apenas de polícia, tratada apenas sob enfoque do código penal e código processual penal, por autoridades policiais, Ministério Públicos e Magistratura.
O gestor de segurança pública deve estar capacitado para interpretar os fatos, bem como traçar planos estratégicos de ações de segurança pautados sobre conhecimento multidisciplinar e se socorrendo de profissionais das diversas áreas do conhecimento promovendo debates e estudos interdisciplinares. Não há como elaborar uma política de segurança pública ignorando a economia do país, a política, o relevo, a história, a psicologia, a sociologia, a criminologia, a logística de cada região, a química e a própria física.
Por outra vertente, as ações de segurança pública devem ser transversais, ou seja, requer participação ativa de todos os órgãos governamentais e da sociedade civil. Um exemplo é o caso de Diadema, grande São Paulo. As ações envolviam todas as secretarias de governo, a policia civil, a polícia militar, a Guarda Municipal, o Conselho Tutelar, a Defesa Civil, A fiscalização de posturas públicas, ONGs, o Ministério Público, Legislativo municipal e a conscientização da população. Na verdade a situação estava tão crítica que a população tinha vergonha de dizer que morava em Diadema. As indústrias estavam saindo do município. Houve, então uma união de todos, um planejamento ousado e ação conjunta. O Sucesso foi comemorado em todo o mundo e a secretária de segurança do município, senhora Regina Mike, foi premiada com o cargo de atual Secretária Nacional de Segurança Pública no Ministério da Justiça em Brasília.
4- Segurança pública não é sinônimo puro de atividade policial.
A Segurança pública não pode ser visto pelo olhar simplista e descompromissado como “ordem na rua”. Infelizmente nos debates políticos, a mídia e as propostas dos “especialistas” em segurança, bem como dos gestores dos órgãos policiais, vemos a segurança pública ser tratada como uma questão de ordem nas ruas da cidade. Em São Paulo, recentemente, a polícia se envolveu em uma operação de limpeza do centro, em região chamada Cracolândia. O que se viu foi uma operação desastrada destinada apenas para limpar as ruas do centro. O problema não foi atacado, por isso não foi resolvido, apenas mudou de lugar, restando agora, múltiplos lugares para serem “limpos”.
A atuação policial nas ruas pré-supõe um apoio logístico aos policiais, sejam policiais militares, civis ou Guardas Municipais. Estes agentes do Estado tem que ter onde levar as pessoas que por ventura detenham ou encaminhem.
A atividade policial é importante pela autorização legal para o uso da força necessária, do bastão, da algema e até da arma de fogo para que a soberania do Estado seja respeitada. Todavia, nem toda ocorrência é policial, portanto há que se ter um amparo logístico para a atividade policial. Por exemplo, o policial se depara com um mendigo em trajes sumários na rua. Este mendigo não está cometendo crime, mas deve ser removido. Mas, para onde?
Neste singelo exemplo, claro está a necessidade da transversalidade das ações na esfera da segurança pública. É o governo e a sociedade irmanada para que a segurança beneficie a todos.
5- Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas – Elementos essenciais do EstadoSegurança pública, direito de todo cidadão, porém, responsabilidade de todos, é uma dever do Estado brasileiro., segundo preceitua o artigo 144 da Constituição Federal.

Insta observar que o artigo 144 está sob o manto do Título V da nossa Carta Magna, ou seja, DA DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS.
Assim sendo, a Segurança Pública é uma função do Estado (poder-público) visando a DEFESA DO PRÓPRIO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS, porque se assim não fosse, não estaria sob o manto do referido Título Constitucional.
O Estado para existir e ser reconhecido como Estado deve apresentar seus três elementos essenciais, ou seja: Território, Povo, e Soberania. Na ausência de um só destes elementos, a existência desse Estado está em xeque.
Realmente: não existe Estado sem território, assim como não existe Estado sem seu povo. Este povo, dentro do seu território tem que ter um governo soberano, ou seja, com autonomia para criar ou modificar sua próprias leis e impô-las sobre a população em seu território. Sem soberania não há que se falar em Estado, basta recordar o que era o Brasil colonial.
O Título V da nossa Constituição ao prescrever “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas” o faz prevendo exatamente da defesa de nosso território, povo e soberania. Daí elencar, sob seu manto, as Forças Armadas, A Polícia Federal, as Polícias Militares e Civis, incluindo no parágrafo oitavo, as Guardas Municipais.
Assim sendo, todas instituições acima têm a missão de zelar pela “Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, para isso, cada instituição desenvolve uma função específica, que é a sua competência operacional e que, para exercer sua função na sua esfera de competência, se apresenta com a forma, treinamentos, equipamentos e ações pertinentes à sua atividade legal. Assim, os integrantes das Forças Armadas se apresentam pela forma que lhes é peculiar, bem como a Polícia Federal,Polícias e Bombeiros Militares, Polícias Civis e Guardas Municipais.
O Título V da nossa Carta agasalha três Capítulos, todos tendo em vista a defesa do Estado e das instituições democráticas, a saber:
-Capítulo I – Do estado de Sítio e do estado de defesa. Situações atípicas em que o presidente da república, consultando o Conselho Nacional de Segurança, toma as medidas cabíveis visando a defesa do Estado e das Instituições democráticas, com adoção de medidas drásticas como toque de recolher, passes para sair nas ruas, barricadas, etc.
-Capítulo II – Das Forças Armadas. São as responsáveis pela defesa de nosso território, povo e soberania a nível interno e, principalmente, contra inimigos externos
-Capítulo III – DA SEGURANÇA PÚBLICA. A segurança Pública, está, então, inserida no título V, da defesa do Estado e das Instituições Democráticas. Ora, estando a Polícia Federal, as Polícias Estaduais e as Guardas Municipais inseridas no Capítulo terceiro do título V, temos que a missão destas instituições é a DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS, sendo suas funções atuar na SEGURANÇA PÚBLICA, fiscalizando e impondo o exercício da soberania do Estado, ou seja, fiscalizando e impondo o cumprimento da lei, lembrando que a soberania do Estado consiste exatamente no Poder que o Estado tem de criar ou modificar suas leis, impondo-as sobre a população em seu território.
6 – Agentes do Estado – missão e função.
O Estado é uma ficção jurídica, ou seja, é uma pessoa jurídica, portanto, entidade abstrata. Como entidade abstrata, ela se socorre da ação humana de pessoas que se predispões colocar suas ações humanas a serviço do Estado. São os Agentes do Estado.
Agentes do Estado: pessoas que colocam suas ações humanas a serviço do Estado, atuando como se fosse o próprio Estado em ação. Um Agente do estado só é agente do Estado na exata medida que atua fiscalizando, orientando e impondo a vontade do estado, ou seja, a lei! O Estado só necessita da ação humana de seus agentes para impor a sua soberania no caso concreto. Daí a máxima: Funcionário Público só pode fazer o que a Lei determina.
Vemos assim, que a polícia federal é um agente do Estado na esfera federal, para orientar, fiscalizar e impor a soberania do Estado. As Polícias Estaduais são agentes do estado brasileiro na esfera estadual para atuar impondo a soberania do Estado nos casos concretos. O mesmo ocorre com as Guardas Municipais, são agentes do estado Brasileiro atuando na esfera municipal. Lembrando que as Guardas Municipais estão inseridas na Capítulo Segurança Pública sob o manto do título: Da defesa do estado e das instituições democráticas, lembrando, ainda, que defender o Estado é defender seu território, seu povo e sua soberania; Entendendo Soberania como o poder do estado de criar, fiscalizar, orientar e impor suas leis. Esta é a missão das Guardas Municipais, Policias Estaduais e Polícia Federal.
Como vimos anteriormente, o Estado é uma consequência natural da natureza humana em viver em sociedade, formando grupos, tribos, clãs, vilas, países, etc.
Um dos principais motivos desta vida coletiva é a busca por segurança. Segurança pessoal, familiar, do grupo, da nação. Segurança esta que abrange a questão alimentar(caça, pesca), segurança física e familiar(garantir a incolumidade física), segurança territorial, patrimonial (guerras diversas).
7- A importância da atividade privada na segurança pública: quebra da dicotomia público-privado.
A existência do Estado Moderno se fundamente em três pilares: Segurança, Educação e Saúde.
Apenas lembramos que a saúde, embora obrigação basilar do Estado, pode ser, e é, privatizada, é o caso dos planos de saúde. O Mesmo ocorre coma educação, onde o ensino privado se destaca. Todavia, a Segurança Pública é uma atividade exclusiva do Estado, Não há como ter um plano de Segurança ou Segurança Pública Particular, ou seja um Delegado Particular, Um Juiz ou Promotor particular nem um policial particular. Trata de uma atividade essencialmente estatal.
Dentro do contexto do artigo 144 da Constituição, onde é determinado afirmativamente: “Segurança Pública é responsabilidade de todos”, na verdade é uma conclamação para que todos desempenhem algum papel em benefício da segurança pública. É um chamado para a quebra da dicotomia Público-Privado em benefício do público e do privado!
De fato: sendo a segurança pública responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, não há como negar que muitas empresas da iniciativa privada, embora indiretamente, cumpram esse papel fundamental para a segurança e consequente qualidade de vida do cidadão. Embora nunca se deva esquecer que é um “dever do Estado”, ou seja, do Estado-Poder Público e não dos estados membros como querem fazer crer alguns.
Uma empresa privada de segurança, ao oferecer emprego, plano de saúde, treinamento na área de segurança, assim como uma empresa da construção civil, ao proporcionar treinamentos de segurança, proporcionar emprego, acesso á saúde e educação, formal ou profissional, está sim desenvolvendo atividades fundamentais na área de segurança pública, pois em suas ações incidem decisivamente na esfera preventiva, que é a essência da segurança, ou seja; segurança pública é o não acontecer. Se aconteceu é porque a segurança falhou, agora o remédio é buscar a punição para quem errou, mas punir não é restituir a situação anterior ao delito. O que foi feito, na maioria das vezes, deixará cicatriz eterna. Ninguém deseja ver um ente querida assassinado só para ver o homicida na prisão.
Vemos assim, que as empresas privadas, ao oferecer emprego, planos de saúde, acesso á educação, seja formal ou profissionalizante, ao dar uma atividade lícita par o cidadão desenvolver, está atuando preventivamente na esfera da segurança pública.
Por outro vértice, há as empresas de segurança privada, seja bancária, seja de condomínios, seja de acompanhamento de cargas nas estradas, ou até mesmos os seguranças patrimoniais, são agentes privados que indiretamente colaboram na segurança do cidadão na sua esfera de atuação, pois tem o condão de inibir a criminalidade e a violência com sua presença ostensiva.
O ideal seria que, ao elaborar um plano municipal de segurança, se incluísse tais profissionais na grade de aproveitamento e até de treinamento conjunto, podendo tê-los como observadores, olheiros, postos avançados de observação de anormalidades colaborando diretamente com a Polícia Civil, a Polícia Militar e a Guarda Municipal. Aliás, a Defesa Civil em muitos municípios faz bem esse tipo de parceria, por exemplo, catalogando as empresas do município que possui maquinário pesado. Em uma emergência sabe onde pedir auxílio. O mesmo poderia ser desenvolvido com os profissionais de segurança privada, logicamente que levando em consideração as limitações legais e operacionais dos mesmos. Observemos que a Polícia Federal, por força legal, possui um cadastro e sistema de fiscalização das empresas que ministram cursos e das que atuam na área de segurança privada, principalmente aquelas que utilizam armamento na área bancária, transportes de valores, no serviço público, e outros.
8 – Atividades suplementares em Segurança pública:
Embora, deixando claro: ser responsabilidade exclusiva do Estado a tutela do interesse público, as atividades repressivas e aplicação da jurisdição civil e penal, merece destaque a atuação de outros órgãos que atuam decisivamente para a qualidade de vida do cidadão no âmbito da Segurança Pública.
Já destacamos a importância das atividades privadas nas ações preventivas de segurança, incluindo as ações indiretas que resultam em segurança do cidadão exercido por empresas de segurança privada, quer na área bancária, no transporte de valores, na escolta de cargas, no serviço público, nos condomínios, etc.
Há outras atividades e órgãos que também merecem destaque, tais como o Ministério Público, o Poder judiciário, Procuradorias Estaduais, Advocacia Geral da União, Tribunais de Contas, órgãos policiais penitenciários, de inteligência e corregedorias, os Conselhos Tutelares, ONGs diversas, principalmente as que atuam na prevenção e recuperação de usuários de drogas, a ABIN- Agência Brasileira de Informações, dentre outros.
9- Conclusão:
O Ser humano, animal social por isso, político, consegue viver em sociedade pela capacidade de compor conflitos de interesses estabelecendo normas de convivência.
Ante sua natureza social, a convivência em grupos, desenvolvimento das sociedades e do direito levou á concepção do Estado e seu aperfeiçoamento para o Estado Moderno.
Os três pilares que justificam a existência do Estado, são a saúde, educação e segurança. Sendo a Segurança uma atividade essencialmente estatal, não pode ser privatizada.
As atividades de segurança pública consistem em atividades preventivas e repressivas. As atividades repressivas devem ser exclusivas do Estado, até porque o Estado clama para si a exclusividade na persecução e execução penal, bem como na aplicação da lei civil. É o Estado desempenhando seu papel exclusivo de tutelar o interesse público.
Todavia, as atividades desenvolvidas por empresas privadas podem e devem ser consideradas como de segurança pública, notadamente na área da prevenção, na exata medida que, mesmo indiretamente, no caso de empresas de segurança privada, ao proporcionar segurança aos cidadãos; ou diretamente, todas empresas, ao oferecer emprego, acesso á educação formal ou profissional, oferecer acesso á saúde, que além de influenciar na autoestima, prestigia o senso de dignidade do cidadão.
Segurança Pública: dever do Estado, e ao mesmo tempo: responsabilidade de todos. A Constituição abre as portas para a quebra de paradigma da dicotomia de público-privado, na exata medida em que o público e privado se interagem em benefício do público e do privado, ou seja não só do público e não só do privado. Ao Estado se reserva o poder/dever de tutelar o bem estar da população em seu território.

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