Para especialistas, próximo presidente terá que combater impunidade e aumentar investimentos em inteligência
Fernando Mello
“Difundiu-se entre nós a ideia de
que a violência é um fenômeno quase natural, o que é um erro. Ela é um
fenômeno determinado por fatores específicos que podem ser removidos”,
diz o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz
O governo federal mantém certa
distância do tema segurança pública no Brasil, uma vez que, por
determinação constitucional, o controle das polícias militar e civil
fica a cargo dos estados. Contudo, especialistas afirmam que caberá ao
próximo presidente eleito combater ao menos dois gargalos que colocam o
país entre os países mais violentos do planeta: impunidade e baixo
investimento em inteligência.
Um estudo do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou que o Brasil, com 2,8% da
população mundial, registrou 11% das mortes por arma de fogo do planeta
em 2004. Para especialistas, as diferenças regionais deveriam influir no
tipo de combate à violência. As capitais e regiões metropolitanas ainda
concentram a maior parte dos assassinatos, mas os índices apresentam
queda nos últimos anos, graças a investimentos (ainda insuficientes) em
programas como bancos de dados, combate à impunidade e construção de
prisões. Essas regiões são afetadas especialmente pelo tráfico de
drogas.
Nos últimos anos, o Brasil se
tornou o segundo maior consumidor mundial e um dos maiores centros de
movimentação de cocaína. Estima-se que o país consuma de 40 a 50
toneladas da droga por ano, exportando mais ou menos a mesma quantidade.
A Polícia Federal e as polícias estaduais apreendem apenas 15% de toda a
cocaína que circula pelo território nacional. Os principais
fornecedores do Brasil são Bolívia, Colômbia e Peru.
Ineficiência –
Para o coronel José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de
Segurança Pública, “a precariedade de sistemas de seleção, formação,
supervisão, disciplina, corregedoria ativa, controle externo e baixos
salários têm incrementado excessivamente a vulnerabilidade das polícias
não só à violência como à corrupção”. Ele aponta ainda ineficiência na
investigação policial. “É uma regra nacional, confirmada pelas raras e
pontuais exceções. Estima-se que a taxa de casos elucidados em
inquéritos de homicídio – geralmente o tipo de crime que mais se
esclarece – não chegue a 5%”, afirma.
Por esse motivo, Silva sugere o
desenvolvimento de um Plano Nacional de Segurança Pública a partir de um
retrato da violência pelo país, que ouviria governos, lideranças
políticas e entidades. O ponto central, diz o coronel, é diminuir a
impunidade. “O governo federal deve desenvolver iniciativas, através do
Ministério da Justiça, para as mudanças legais e nos aparatos da Justiça
e execução penal para reduzir as brechas da impunidade e assegurar a
punição ágil dos criminosos como instrumento de dissuasão.”
Interiorização –
A partir de 1999, as regiões metropolitanas receberam a maior parte dos
recursos para o combate a violência. Foram canalizados recursos
federais e estaduais para aparelhamento dos sistemas de segurança. Isso
dificultou a ação da criminalidade organizada, que migrou para as áreas
de menor risco, no interior dos estados. A taxa média de assassinatos
nas capitais caiu de 45,7 para 36,6 a cada 100.000 habitantes, entre
1997 e 2007. Por outro lado, as ocorrências em municípios do interior
subiram de 13,5 para 18,5 a cada 100.000 habitantes no mesmo período.
O sociólogo Julio Jacobo
Waiselfisz é o responsável pela elaboração do Mapa da Violência no
Brasil, um estudo detalhado sobre os índices de criminalidade em todos
os municípios. Ele afirma que o governo federal deve ajudar a envolver
municípios no combate à violência tomando a frente no trabalho de
inteligência e mapeando os problemas regionais. “O combate tem que ser
específico para cada tipo de região. Tem que haver diagnóstico. O
primeiro passo da cura é a consciência da enfermidade. Difundiu-se entre
nós a ideia de que a violência é um fenômeno quase natural, o que é um
erro. Ela é um fenômeno determinado por fatores específicos que podem
ser removidos”, diz Waiselfisz.
Segundo ele, três estados que
canalizaram recursos para o combate à violência, São Paulo, Minas e Rio,
apresentaram quedas nas taxas de homicídios em anos recentes. Porém,
houve prioridade nas capitais, o que fez com que a violência se
deslocasse ou diminuísse menos no interior. "Em São Paulo, os homicídios
caíram 65% na capital e, no interior, apenas 27%. No Rio, a partir de
2004, a queda na capital e na região metropolitana foi de 39,8%, mas no
interior houve aumento de 33,6%”, explica Waiselfisz.
Os dados mostram cinco tipos
básicos de cidades violentas no interior, com uma característica em
comum: “Há casos de conivência das forças publicas e locais que se
beneficiam da economia da violência, algo que ocorre menos nas capitais e
zonas metropolitanas”, diz Waiselfisz. Confira a classificação dos
tipos de municípios violentos:
Municípios de zona de fronteira:
são usados como porta de entrada de contrabando de armas, drogas e
produtos piratas. Um exemplo é Coronel Sapucaia (MS), que faz fronteira
com Paraguai e registra 103 assassinatos a cada 100.000 habitantes, o
que a torna a quinta cidade mais violenta do país.
Arco do desmatamento amazônico:
cidades que vivem do desmatamento ilegal, o que gera pistolagem e
violência. Na média dos últimos cinco anos, Tailândia (PA) é o município
mais violento do país, com mais de 130 assassinatos a cada 100.000
habitantes.
Zona de pistolagem tradicional:
típica do Nordeste, onde o coronelismo prevalece. Exemplo clássico é o
polígono da maconha, em Pernambuco. A cidade de Belém de São Francisco
tem média de 43 assassinatos a cada 100.000 habitantes.
Novos municípios atrativos para investimentos e população:
o crescimento de cidades no interior faz com que, muitas vezes, a
criminalidade se organize antes do poder público. O polo de agricultura
irrigada de Petrolina (PE) é um exemplo. A cidade tem 54,1 homicídios a
cada 100.000 habitantes.
Turismo de fim de semana: em
São Paulo, os últimos anos marcaram um aumento da violência em cidades
litorâneas como Guarujá e Santos, que registram o dobro da média de
assassinatos do estado (22,6 a cada 100.000 habitantes). Angra dos Reis
(RJ) tem 24,4 a cada 100.000.
Fonte: http://veja.abril.com.br
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