Máfia
na Itália, Tríade na China, Yakuza no Japão, Cartel na Colômbia e no
México, Bratva na Rússia e na Ucrânia e Comando no Brasil. Nomes
diferentes para denominar uma mesma atividade ilícita que se estende
pelo mundo todo: o crime organizado. Por isso, governos, empresas,
instituições e as sociedades civis organizadas têm unido esforços para
combater essa prática, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e da Organização das Nações Unidas (ONU). Recentemente, o
presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, assinou um documento com o
representante regional para o Brasil e o Cone Sul do Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), Bo Mathiasen. A intenção do
acordo é promover a cooperação mútua e o intercâmbio de experiências no
combate ao crime transnacional.
Para
o representante do UNODC, Bo Mathiasen, a globalização tem transformado
o modo de vida das sociedades e dos estados, sendo as fronteiras entre
os países mais permeáveis, e o trânsito de pessoas, mercadorias,
serviços e recursos cada vez mais ágil. Segundo Mathiasen, “a mesma
lógica que facilita o comércio e a integração entre os povos também
implica mudanças radicais nas dinâmicas dos crimes e da violência”. E
lembrou que, se por um lado, as facilidades advindas de ferramentas como
a internet são muito bem-vindas, por outro, elas exibem um aspecto
hostil, “afinal as mesmas tecnologias que possibilitam melhorias
substantivas nas vidas das pessoas também são utilizadas por aqueles que
burlam as leis, cometem crimes e desafiam a Justiça”.
O
documento assinado pelos dois órgãos prevê a realização de esforços
conjuntos no desenvolvimento de ações que fortaleçam a punição das
diversas modalidades de crime organizado transnacional. “A aproximação
entre essas entidades é chave para consolidar o papel da Justiça Federal
no enfrentamento ao crime organizado doméstico e transnacional,
sobretudo à luz dos padrões e boas práticas internacionais no mundo
irreversivelmente globalizado”, destacou o presidente do STJ.
Definição
Entidades
especializadas e estudiosos envolvidos no combate ao crime organizado,
em geral encontram dificuldade para estabelecer um conceito comum que
atenda a tantas particularidades em relação à prática internacional
desses delitos. O Federal Bureau of Investigations (FBI) define o crime
organizado como qualquer grupo que tenha uma estrutura formalizada e
cujo objetivo primário seja a obtenção de lucro por meio de atividades
ilegais.
Contudo,
a procuradora de justiça Arinda Fernandes, pós-doutora no assunto,
acredita não ser difícil conceituar o crime organizado. Para ela, é
possível citar o exemplo da Itália, “que desde a década de oitenta
ostenta em seu código penal uma figura típica que define a associação
criminosa de tipo mafioso, com várias formas qualificadas”. A
especialista também lembra a importância da Convenção de Palermo, válida
no Brasil desde 2004. Segundo a procuradora, essa convenção define
organização criminosa, traçando suas características básicas. “Temos aí
as linhas-mestras que devem nortear o legislador brasileiro na
elaboração de lei que tipifique essa questão”.
O
cientista político Guaracy Mingardi, em sua tese de doutorado “O Estado
e o crime organizado” aponta quinze características intrínsecas ao
crime organizado. Entre elas, destacamos: a simbiose com o Estado, a
hierarquia organizacional, a divisão do trabalho, a previsão de lucros, o
monopólio e o uso da violência, o controle territorial e a presença da
lei do silêncio.
A
procuradora Arinda Fernandes explica o porquê da participação do Estado
nesses delitos: “O braço forte da organização sempre foi e sempre será a
corrupção de agentes públicos. Como se trafica seres humanos sem que
haja a conivência de um representante do Estado? Como traficar drogas
sem a “cooperação” de um agente público, sobretudo nos portos e
aeroportos? O crime organizado desestabiliza o Estado, subverte a ordem
instituída”.
Crimes no Brasil e no mundo
A
norma que vigora em âmbito mundial em relação ao combate do crime
organizado é a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional. Esse documento, conhecido como Convenção de Palermo, foi
adotado em Nova Iorque, em 15 de dezembro de 2000, entrando
internacionalmente em vigor em 29 de setembro de 2003. No Brasil, a
Convenção de Palermo foi aprovada por decreto e passou a valer em 2004.
Essa
convenção é um instrumento legal que obriga os países signatários a
tomar uma série de medidas contra o crime organizado transnacional.
Entre as disposições estão a criação de leis nacionais que punam
localmente as atividades ilícitas em âmbito internacional, a adoção de
novos mecanismos para a assistência jurídica mútua, extradição,
cooperação e assistência técnica e treinamento.
A
atuação das organizações criminosas vai muito além do tráfico de
drogas. Entre as atividades desempenhadas por essas pseudoempresas,
estão o roubo de cargas, a fraude em licitações públicas e o tráfico de
órgãos. Uma reunião realizada pela ONU, em fevereiro de 2006, em Viena,
concluiu não ser possível fazer uma lista expressa dos delitos
praticados pelo crime organizado, uma vez que essas organizações atuam
tanto contrabandeando ébano quanto aliciando imigrantes. Os crimes
passam pela lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça, tráfico de armas,
de veículos e de seres humanos. Qualquer relação seria incompleta, já
que as autoridades que analisam os casos lidam com fenômenos criminais
múltiplos e diferentes.
Essa
visão também é defendida pelo presidente da Comissão de Segurança
Pública e Combate ao Crime Organizado, deputado Laerte Bessa. Ao
mencionar o Projeto de Lei 150/2006, de iniciativa do Senado Federal,
que trata do crime organizado, o deputado corrobora a posição adotada
pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que retirou do texto
inicial o rol taxativo dos crimes que poderiam ser considerados como
delitos praticados por organizações criminosas. Segundo o presidente da
Comissão da Câmara dos Deputados, a não existência expressa dos crimes
cometidos por essas organizações “simplifica e elastece a atuação
judiciária, que, por ocasião de algum crime não relacionado no texto da
lei, seria obrigada a classificar aquela participação como quadrilha ou
bando, tornando a punição estatal mais branda, o que não é, de forma
alguma, o espírito da lei em comento”.
O
deputado ainda ressalta a importância de se promover mudanças no Código
Penal brasileiro: “É preciso atualizar a nossa legislação, construída e
aprovada quando os crimes não eram tão violentos nem possuíam tanta
organização, ou mesmo o nível de crueldade como os que assistimos todos
os dias na TV e vivenciamos nas delegacias”.
De
acordo com a procuradora de justiça Arinda Fernandes, hoje existe um
cenário normativo extremamente defasado em relação a vários países. Ela
cita, por exemplo, o não cumprimento por parte do legislativo em relação
às metas traçadas pela Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de
Dinheiro (ENCLA), instalada no Ministério da Justiça no final de 2003:
“Entre essas metas, encontram-se os exames de anteprojetos de lei na
esfera de conceituação de organização criminosa e sobre a extinção de
domínio (confisco de bens de origem duvidosa com a inversão do ônus da
prova). Esses anteprojetos foram elaborados por comissões de trabalho
instituídas pela ENCLA”.
Mas
tão complexo quanto punir os crimes cometidos por organizações bem
estruturadas é dimensionar a extensão dos delitos. Para Arinda
Fernandes, o mérito desse acordo de cooperação firmado entre o STJ e a
ONU é a oportunidade de traçar um retrato da conjuntura brasileira no
que tange a esse fenômeno internacional. “Finalmente se chegará à
conclusão da grande necessidade de criação do que sempre defendi, ou
seja, varas especializadas para tratar das questões ligadas ao crime
organizado, a exemplo do que já foi feito em relação à lavagem de
dinheiro. Outro aspecto relevante, nesse acordo, é a possibilidade de
desenvolvimento de ferramentas, pesquisas e estudos, pois nos falta,
ainda, formação específica entre os magistrados brasileiros, salvo
algumas poucas exceções”, concluiu a procuradora.
Ao
ratificar acordos como este, de cooperação mútua com a ONU para o
combate ao crime transnacional, o Superior Tribunal de Justiça vai ao
encontro da sua visão de futuro: ser reconhecido pela sociedade como
modelo na garantia de uma Justiça acessível, rápida e efetiva. E, ao
buscar formas para atender às expectativas dos cidadãos, o STJ também se
firma como exemplo para toda comunidade jurídica.
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